A Naver Webtoon, maior plataforma de webtoons/webcomics da Coreia do Sul e parte da WEBTOON Entertainment, foi denunciada recentemente por práticas abusivas levantadas durante auditoria anual da Assembleia Nacional da Coreia do Sul.
A Webtoon Creator Union (웹툰노동조합) esteve presente na audiência sob representação de sua presidente, Ha Shin-a. Dentre as principais alegações do sindicato, estão acusações de trabalho não remunerado, monopólio, desequilíbrio de poder entre plataforma e seus criadores, além de falta de transparência no repasse dos lucros, dentre outras práticas abusivas.
De acordo com um criador que relatou sua experiência ao sindicato, os artistas selecionados através de concursos da Naver Webtoon são frequentemente obrigados a produzir de três a oito episódios completos antes de assinar um contrato oficial com a plataforma.
Durante esse período, que pode variar de alguns meses até anos, são solicitadas ainda modificações no enredo e no design de personagens, sem que os artistas recebam qualquer remuneração. “Passei por dezenas de revisões”, afirmou um artistas ao portal Anime News Network (ANN). “Os editores interferiam constantemente e, mesmo após um ano de acordo com meu produtor, um novo supervisor chegou e me disse para começar tudo novamente.”
Mesmo com o contrato em mãos, a Webtoon Creator Union afirma que os artistas precisam lidar com situações adversas. Segundo o sindicato, trechos de contratos colocam a empresa como dona parcial dos direitos de propriedade intelectual de forma permanente e permite o uso das obras para treinamento de inteligência artificial (IA) sem consentimento explícito. “O contrato permite que a Naver utilize as obras dos criadores como dados de pesquisa a seu critério, o que significa que o conteúdo pode ser utilizado como material de treinamento de IA sem limitações”, afirmou Ha Shin-a.
Leia abaixo trechos de um contrato, fornecidos pela Webtoon Creator Union, traduzidos do coreano para o inglês pelo ANN e posteriormente para o português pelo portal Falar de Webtoon:
O Provedor concede à NAVER WEBTOON permissão para usar o conteúdo, diretamente ou por meio de suas afiliadas, para fins de pesquisa com o objetivo de melhorar os serviços e aprimorar o desempenho do sistema da NAVER WEBTOON. O termo “uso para fins de pesquisa” nesta cláusula inclui especificamente o seguinte:
- Uso de dados para projetos de pesquisa da NAVER WEBTOON conduzidos internamente;
- Fornecimento de dados a universidades ou outras instituições acadêmicas quando a NAVER WEBTOON se envolver em projetos conjuntos de pesquisa de natureza indústria-acadêmica;
- Uso de dados para pesquisas conjuntas ou encomendadas com afiliadas da NAVER WEBTOON.
Além disso, há casos de contratos com uma cláusula que exige aprovação prévia da Naver Webtoon para que um criador possa se envolver em atividades criativas com outras empresas e agências. O sindicato acrescentou que a plataforma fica com parte da remuneração de palestras pagas ou aparições na mídia de seus criadores.
Segundo Ha Shin-a, a capacidade da Naver Webtoon de impor tais termos decorre de uma espécie de monopólio da empresa na indústria de webtoons da Coreia do Sul. A empresa dita as estruturas de pagamento, os prazos de produção e a duração dos episódios. “É comparável à [dominação de] Netflix ou YouTube na indústria de vídeo”, afirmou.
Há ainda uma preocupação referente às receitas globais e falta de transparência no repasse de valores. De forma anônima, um criador revelou que em alguns mercados do exterior, a plataforma fica com até 90% da receita. “Na melhor das hipóteses, eles ficam com 70%”, disse. “Muitos criadores aceitam isso, porque 10% ainda é suficiente para viver. Mas não há transparência sobre como as classificações, promoções ou gastos com publicidade são gerenciados. Não sabemos quantas pessoas leem nosso trabalho gratuitamente e quais são as métricas reais. Apenas aceitamos o que eles nos dão.”
O criador continuou: “A Naver se beneficia da nossa criatividade, ao mesmo tempo em que retém informações comerciais e se recusa a melhorar seu modelo de compartilhamento de receita. O CEO recebeu cerca de US$ 30 milhões e ações após a abertura de capital [da WEBTOON Entertainment na bolsa de valores dos EUA], enquanto nenhum criador recebeu qualquer incentivo comparável.”
Naver Webtoon e WEBTOON Entertainment respondem
Em resposta às alegações, um representante da Naver WEBTOON que compareceu à Assembleia Nacional declarou: “Atualmente, não há casos de não pagamento de honorários por manuscritos em nível corporativo. Se os casos apontados forem realmente verdadeiros após uma análise minuciosa, nos esforçaremos para fazer melhorias. Entre os vários contratos, há aqueles celebrados por escolha do criador. Como o criador é o mais importante na Naver Webtoon, trabalhamos para garantir que os criadores possam criar em um ambiente cada vez melhor. Continuaremos nossos esforços para promover um ambiente centrado nos criadores.”
Além disso, após repercussão internacional do caso, Kiel Hume, Vice-presidente e diretor de comunicações da WEBTOON Entertainment, também se pronunciou sobre diversos pontos levantados pelo sindicato. Ele enfatizou que o tema se refere exclusivamente à Naver Webtoon na Coreia do Sul e não às operações da empresa nos Estados Unidos, e observou que os criadores não são funcionários da plataforma sul-coreana e que as disputas dizem respeito apenas a contratos relacionados a concursos.
A empresa rejeitou a alegação de que os criadores são obrigados a produzir episódios sem remuneração antes de assinar contratos oficiais. “A contratação é imediata para os vencedores do concurso. Para obras que seguem para a etapa de serialização oficial, solicitamos três episódios. Embora seja extremamente raro, mesmo que a serialização não prossiga, compensamos os criadores pelo trabalho produzido. As alegações de trabalho não remunerado são, portanto, inadequadas e falsas”, afirmou Hume.
A empresa também contestou a alegação de que a plataforma retém direitos de propriedade intelectual ou usa obras para treinamento de IA sem consentimento. “Os criadores mantêm todos os direitos sobre sua propriedade intelectual subjacente e não treinamos IA com o conteúdo dos criadores”, disse Hume.
Sobre a necessidade de aprovação prévia antes de trabalhar com outras empresas, Hume acredita ser um mal-entendido. “Não há obrigação de informar a plataforma. Assinar um contrato de gestão é 100% uma escolha do autor”, explicou. “Oferecemos uma variedade de contratos com base nas expectativas e objetivos do criador. A exclusividade é comum no setor, e as taxas de comissão são sempre divulgadas e adaptadas para apoiar as ambições do artista.”
A empresa também refutou as acusações de falta de transparência em seu sistema de pagamento e a alegação de que retém até 90% da receita das obras em alguns mercados, chamando-a de imprecisa e não representativa de sua estrutura real de distribuição de receita. Hume afirmou que “desde 2012, operamos um sistema que permite aos criadores visualizarem suas vendas em tempo real, divulgando de forma transparente os processos de liquidação e pagamento.”