Crítica: Yumi’s Cells the Movie (2024)

Adaptação do webtoon de Lee Dong-gun é fofa e carismática, mas peca na execução de seus conceitos

Não é de agora que os webtoons são boas fontes de histórias com potencial de se tornarem também grandes obras da TV e do cinema. Yumi’s Cells é uma dessas histórias. A obra escrita e ilustrada por Lee Dong-gun já foi adaptada para a TV em 2021, ganhou um jogo de celular no mesmo ano e em breve terá uma versão musical estreando nos teatros sul-coreanos. Os números do manhwa na plataforma Naver Webtoon desde que foi lançado em 2015 explicam o porquê de seus voos tão altos em outras mídias.

O webtoon foi produzido por 5 anos e meio, se encerrando no final de 2020 com um total de 512 capítulos, mais de 3,5 bilhões de visualizações e uma média de nota 9.9/10 para cada episódio. Foi um sucesso não apenas na Coreia, mas também no Japão, Indonésia, Tailândia, Taiwan e China, sendo traduzido oficialmente para sete línguas. O drama, exibido na Coreia pela tvN, teve duas temporadas e foi exportado para cerca de 160 países. Com tantos dados positivos, pode-se dizer que até demorou para essa história chegar aos cinemas, mas esse momento chegou. Yumi’s Cells the Movie é um longa-metragem animado produzido pela Locus Animation, estúdio responsável por Sapatinho Vermelho e os Sete Anões (2019), e pelo Studio N, subsidiária da Naver Webtoon. Ambas as empresas trabalharam também na adaptação para a TV, que misturava live-action com animação 3D.

O roteiro do filme, escrito por Lee Jeong-a, Park Seong-hee e Hwang Seok-hee, toma como base algumas passagens do webtoon, com a jovem e comum funcionária de escritório Kim Yumi (voz de Yoon Ah-young) se relacionando com seu parceiro de trabalho Babi (voz de Shin Beom-sik) enquanto tenta equilibrar sua vida profissional, o relacionamento e o sonho de se tornar uma escritora de sucesso. Pode até parecer um romance slice of life comum, mas o grande ponto da trama é que acompanhamos tudo isso através das células cerebrais de Yumi, que controlam os pensamentos em sua mente e representam características da personagem, seus comportamentos e emoções — ou seja: amor, fome, ansiedade, racionalidade, seu interesse pela escrita e até mesmo seu senso de economia financeira.

Parece com algo que você já viu, não é? Bom, num primeiro momento a comparação com Divertida Mente (2015) é inevitável, esepecialmente em uma época que a sequência da animação norte-americana está em alta e se tornou a maior bilheteria de animação na história. Mas além disso, o mais recente capítulo da produção da Pixar Animation Studios dá um grande destaque para a personagem Ansiedade, ênfase que também é concedida à Célula da Ansiedade (voz de Sa Moon-young) no filme sul-coreano. E tem mais, porque as obras originais surgiram praticamente juntas: Yumi’s Cells, o webtoon, foi lançado em abril de 2015 enquanto o primeiro Divertida Mente estreou em junho do mesmo ano. As semelhanças, porém, acabam aqui.

Ainda que o conceito de personificação de emoções para compreender a mente humana seja o grande ponto em comum, a obra norte-americana aborda o tema sob uma ótica corporativista na qual cada personagem humano possui uma espécie de sala executiva no lugar do cérebro. Em Divertida Mente, 5 emoções principais gerenciam diversos setores responsáveis por aspectos como memória, personalidade e comportamentos. Sua protagonista, a criança/adolescente Riley, assim como todos os seres humanos ao seu redor, funciona literalmente como uma indústria ambulante, onde todas as subdivisões da sua mente são cheias de operários com o único objetivo de manter essa máquina de carne e osso funcionando.

Em Yumi’s Cells the Movie, essa dinâmica da mente humana se dá mais por um senso de comunidade, com as células se multiplicando ou aumentando de tamanho conforme sua influência sob Yumi aumenta. E outra ☝🏼: a relação dessas células com Yumi é menos de controle e mais uma via de mão dupla, com os acontecimentos do mundo real influenciando as dinâmicas de sua mente na mesma proporção que o oposto acontece. Essa abordagem permite que as situações na mente da protagonista sejam mais caóticas e menos literais, pois, ao contrário de Divertida Mente, onde apenas uma emoção controla Riley por vez, as células de Yumi precisam discutir entre si para definir o que é melhor para sua humana, ou seja, para sua comunidade.

O ápice dessa dinâmica se dá logo na primeira metade do longa, quando Yumi precisa tomar uma decisão importante e as células se dividem num verdadeiro tribunal para tomar uma decisão racional ou emocional. É neste momento também que a diretora estreante Kim Da-hee melhor lida com essa relação externo-interno da protagonista, ilustrando o momento de dúvida de Yumi com uma montagem dinâmica e uso criativo do split screen1.

Essa apresentação de conceitos, inclusive, é o que torna a primeira metade do filme interessante. Sonhos, imaginação e pensamentos intrusivos são ilustrados de forma engenhosa, especialmente quando explora temas da vida adulta como frustrações de trabalho, mudança de carreira, relacionamento à distância e, com bom humor, tesão(!) através da Célula da Safadeza (Naughty Cell, voz de An Young-mi).

As deficiências de Yumi’s Cells the Movie começam quando o filme demonstra não saber como desenvolver a trama a partir de seus conceitos, deixando eventos da vida de Yumi se tornarem desinteressantes à medida que os minutos passam. Tudo o que acontece relacionado à Célula do Amor (voz de Ahn So-yi) dentro da mente de Yumi, por exemplo, é interessante, desde os argumentos que ela levanta em qualquer discussão para proteger a relação da moça com Babi até sua transformação no clímax do longa. O problema reside justamente no que vemos do casal em tela: o típico romance água com açúcar, mas com muito menos carisma do que deveria.

Babi é basicamente o único personagem com que Yumi interage por mais de meros minutos no filme, mas pouco aprendemos sobre ele, seus sonhos, desejos e aspirações. A escolha dos roteiristas por eliminar da trama o início/desenvolvimento do namoro entre os dois, torna essa relação ainda mais flat, não fazendo jus à jornada pessoal de Yumi e muito menos aos eventos internos de sua mente.

Em determinado momento, através de quadrinhos e balões de fala/pensamento (numa clara alusão à obra original), outros eventos da vida de Yumi que também foram suprimidos do projeto são referenciados. Por um lado, os fãs do webtoon, fica uma bela homenagem e alguns easter eggs. Por outro, esses poucos segundos denunciam o principal defeito do projeto Yumi’s Cells the Movie: se tratar muito mais como subproduto, que precisa condensar o máximo daquilo que mais funciona em 500 capítulos de webtoon em apenas 93 minutos de filme. Logo, quando temas sensíveis como depressão e ansiedade são abordados nos momentos finais do longa, isso é feito de forma apressada e superficial. É nítido que o longa quer ensinar ao espectador que as frustrações da vida adulta acontecem, são passageiras e têm sua importância para nosso desenvolvimento individual. A mensagem chega, de maneira fofa e carismática, mas fica a impressão de que o cinema talvez não seja o melhor meio para Yumi e suas células a transmitirem.

Nota: ★★✰✰✰ (2 de 5 estrelas)

Glossário:

  1. O “split screen” (tela dividida, em português) é uma técnica cinematográfica que, como o nome indica, divide a tela em duas ou mais partes. Ela permite que cenas de um filme se desenrolem simultaneamente em uma mesma tela, revelando ao espectador diferentes pontos de vista da câmera. ↩︎

Escute nosso Review Sincero: Yumi’s Cells (webtoon + k-drama)

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