Crítica: Heartstopper – 3ª temporada (2024)

Em novo ano da série, Alice Oseman continua a amadurecer suas ideias

Foi em 2014, com a publicação de seu romance de estreia, Um Ano Solitário, que Alice Oseman começou a dar forma a um dos maiores fenômenos recentes da cultura pop. A autora, com apenas 19 anos na época, não ficou satisfeita em explorar apenas a protagonista Tori Spring no livro e decidiu que seria interessante se aprofundar em outros personagens nas suas futuras publicações. E assim o fez. Os anos seguintes foram recheados de novas histórias da autora em diferentes formatos, nos quais explorou dilemas adolescentes, temas relacionados ao mundinho LGBTQIAP+, relacionamentos e outras questões da vida, culminando naquilo que ficou conhecido entre os fãs como o Osemanverse. Dentre essas obras está a webcomic Heartstopper, protagonizada por Charlie Spring, irmão de Tori, retratando o início de seu romance com outro garoto, Nick.

Dez anos depois, o quadrinho está disponível no Tumblr, no Tapas e no WEBTOON; foi publicado em formato graphic novel em dezenas de países (no Brasil, a publicação é feita pela Editora Seguinte); e, em 2022, ganhou uma adaptação para uma série live action produzida pela See-Saw para a Netflix, que chega agora ao seu terceiro ano. E é sempre interessante acompanhar uma publicação tão longeva — as primeiras postagens do webcomic especificamente datam de 2016 e o quadrinho ainda está em andamento —, principalmente a fim de notar a evolução do autor em arte, escrita, enredo e, no caso de Heartstopper, como a história se instala em diferentes mídias. A adaptação para o formato televisivo em particular, inclusive, reforça a cada nova temporada que seu aspecto mais interessante é justamente como Alice Oseman continua amadurecendo ideias e convicções sobre aqueles personagens e os temas/dilemas que os cercam.

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Creditada como roteirista, criadora e produtora executiva, Oseman desde a primeira temporada escreveu todos os episódios e esteve envolvida em todas as etapas da produção, desde a escolha do elenco até a seleção de músicas que tocam em cada capítulo. Para o terceiro ano, ela agora tomou como base os capítulos 6 e 7 do webcomic (ou os volumes 4 e 5 da versão impressa) e tal divisão fica nítida na estrutura de episódios, cuja primeira metade foca no distúrbio alimentar de Charlie (Joe Locke), que agora afeta mais intensamente sua vida. O amadurecimento dos personagens, com foco na faculdade e nas primeiras experiências sexuais, assume o arco da segunda metade.

A condensação de dois capítulos/volumes em apenas uma temporada não beneficia muito a história, que regularmente é acusada por uma suposta hiper idealização da vida e pelos problemas que os personagens enfrentam serem um pouco superficiais, de fácil resolução. Mas isto não significa que a abordagem dos temas do novo ano é ineficiente, muito pelo contrário. O diagnóstico de Charlie é cuidadoso, desde a forma que Nick (Kit Connor) aborda a situação até o tratamento do garoto com um detalhamento super didático, mas em determinados momentos tudo parece um pouco acelerado, como se a série estivesse com pressa de deixar o tema mais tenso para trás e assim retornar à leveza dos dramas adolescentes.

Há de se destacar o quarto episódio, Journey, no qual Andy Newbery, novo diretor da série, melhor consegue trabalhar o tema alterando a estrutura do episódio para demonstrar a perspectiva de cada lado do casal. Ainda assim, a sensação que fica do transtorno alimentar de Charlie é que o tema poderia pautar uma temporada completa, o que valorizaria momentos como o desabafo do garoto para seus pais, trabalhando ainda melhor a relação conflituosa dele com a mãe (Georgina Rich), ou ainda a conversa de Nick com sua tia psicóloga (Hayley Atwell).

Por outro lado, a terceira temporada encontra tempo para abraçar melhor toda a turma de amigos de Charlie e Nick. A webcomic se concentra quase exclusivamente no casal protagonista e os coadjuvantes ganham destaque apenas em mini contos postados entre os hiatos de publicação do quadrinho nas plataformas. Na série, porém, Alice Oseman tem se dado ao direito de explorá-los mais ativamente, sendo eles os principais agentes das mudanças e adaptações de uma mídia para a outra.

Então, na série conseguimos nos aprofundar no desejo de Tao (William Gao) em registrar quem ama com uma câmera; no lado combativo de Elle (Yasmin Finney) contra as violências transfóbicas; na exploração da identidade não-binária de Darcy (e de sua intérprete, Kizzy Edgell); nas crises de pânico de Tara (Corinna Brown); na orientação sexual de Imogen (Rhea Norwood); na assexualidade de Isaac (Tobie Donovan)… São personagens ou temas que existem no quadrinho original, mas que ganham mais destaque e novos desdobramentos na adaptação para a TV, atualizando Heartstopper entre as discussões sobre saúde mental, gênero, sexualidade e representatividade que se desenvolveram desde seu lançamento na internet em 2016.

Nesse sentido, fica quase impossível não citar o desenvolvimento de Tori Spring nesta temporada, justamente a personagem que protagonizou o início de tudo em Um Ano Solitário. Ao mesmo tempo que deixa de ser apenas “a irmã de Charlie” para o público, sua maior participação nos desdobramentos da série conta com uma atuação sensível de Jenny Walser, desvencilhando a personagem do estereótipo de “garota esquisita” e oferecendo notas de alegria, tristeza e compaixão apenas com o olhar. A série deixa ainda questões em aberto sobre a personagem para o futuro, principalmente acerca da sua relação com o simpático Michael (Darragh Hand).

Dentro de um contexto de adaptação de uma mídia para outra, esse modus operandi de Alice Oseman em expandir os pontos de vista e temáticas de sua obra revela uma autora que aproveita as oportunidades de reafirmar pautas com as quais ela própria passou a se identificar ao longo dos anos. É como se ela abraçasse cada nova visita ao universo que criou para adequar determinados pontos da trama de acordo com sua visão no contexto atual do mundo e de sua vida pessoal. É um método quase sempre bem-sucedido, especialmente na série, pois se trata de um processo criativo que entende que histórias podem mudar e se adequar a novos contextos.

Logo, acompanhar o Osemanverse e toda sua variedade de produções é realizar que nada é imutável e tudo é possível quando pensado com carinho. As pessoas mudam e amadurecem. E mais do que amadurecer ao lado dos personagens, o melhor que uma história publicada ao longo dos anos pode oferecer é a oportunidade de acompanharmos o amadurecimento criativo de artistas que continuam mergulhando em suas próprias ideias e pontos de vista.

Nota: ★★★★✰ (4 de 5 estrelas)

Escute: Review Sincero — 1ª Temporada

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